quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Lúcio Flávio Pinto - Jornal Pessoal



O senhor imaginava que o jornal fosse chegar nesse patamar atual, referência de excelência nacional e internacional?
Não. O jornal tinha um sentido utilitarista imediato: publicar a reportagem sobre o assassinato. Depois, deveria perder sua razão de ser. Afinal, estávamos iniciando o que acabaria por se tornar o mais longo período democrático da história republicana brasileira. Sem censura estatal, a imprensa poderia divulgar tudo de relevante que apurasse. O problema é que isso não aconteceu. A censura direta do Estado acabou, mas outras formas de censura, sobretudo econômica, se desenvolveram. E um mal maior se propagou: a autocensura. Como o meu jornal não tem amarra alguma, inclusive porque não aceita publicidade, ele se revelou necessário para transmitir à opinião pública informações e análises que não aparecem na grande imprensa. Por isso existe até hoje.



O senhor já deixou de dar alguma noticia em consideração a uma pessoa de sua estima?

Nunca. Já perdi vários amigos e quase-amigos por causa disso. Minha única limitação é a minha capacidade investigativa. Se mais não publico é porque mais não sei. Como o jornal é quinzenal e eu sou seu único servidor, o período de produção termina sem que eu consiga concluir a apuração. Nesse caso, ou a matéria passa para a pauta seguinte ou eu a publico com o que sei. Como o tema persiste, voltarei a ele em seguida com mais informações. Para não me condicionar, além de rejeitar a receita publicitária, restringi ao mínimo minhas relações sociais. Assim, evito coação moral ou sentimental.


O seu pai foi o fundador do PTB em Santarém, nunca pensou em seguir a carreira política?
Pensar, eu pensei muito.Mas nunca me decidi a seguir a carreira política do meu pai, embora ele tudo fizesse para me seduzir como seu sucessor. Estive muitas vezes a um passo da filiação partidária. Duas coisas me impediram de dar esse passo decisivo. Uma, o pudor. Ser político é também ser ator, tanto mais ator quanto menor é a consciência política do eleitor. E meu pudor me impede de interpretar o papel que cabe aos que querem obter o voto. É uma condição indispensável, em qualquer lugar, porém maior em lugares atrasados, como o nosso. Não tenho essa qualidade. O outro fator é que condsidero a filiação a um partido incompatível com a atividade de um jornalista que emite opinião e exerce juízos de valor. Ele tem que ser imparcial e objetivo ao máximo. A vinculação partidária é um sério complicador para o exercício desses atributos.


O senhor já trabalhou na grande imprensa. Não sentes vontade de voltar? Recebes convites para retornar?
Trabalhei durante 26 anos na grande imprensa. Ou só nela ou, ao mesmo tempo, nela e na imprensa alternativa. Gostaria de voltar, sim, pelos meios que ela podia me oferecer ara viajar, poder me dedicar mais à investigação jornalística, ter sua cobertura institucional. Mas tentei voltar uma vez e não dei certo.Assumi o lugar de diretor da sucursal da Gazeta Mercantil em Belém. Fiquei apenas três dias no posto. Pedi demissão. Vi que não iria conseguir me recondicionar ao universo de compromissos e limitações da grande imprensa. Vi que me tornei, definitivamente, um outsider, condenado a remar contra corrente, a seguir pela história no sentido anti-horário.



O Jornal Pessoal é o jornal mais comprado nas bancas, isso lhe dar algum tipo de orgulho?

Não propriamente orgulho, certa satisfação. Ele éo mais vendido em banca porque é o mais comercializado em banca. Os jornais da grande imprensa são vendidos principalmente a assinantes ou, no caso de Belém, nas ruas pelos jornaleiros. Uma parcela pequena da tiragem é que vai para as bancas. O que me alegra é que, apesar de as bancas não serem o melhor lugar para se expor e vender jornais, o JP é procurado pelos seus leitores. O leitor padrão quer que o jornal vá atrás de si e não o contrário. No caso do meu jornal, o leitor tem que sair da sua postura de comodidade e ir atrás do jornal. É uma façanha.



Sempre se fala que os jovens estão perdendo o habito da leitura ou que estão lendo livros com pouco conteúdo, entretanto muitos amigos meus desde a época do colégio leem ou acompanham o que o senhor escreve. Como o senhor vê o interesse do público jovem por seu jornal?

É interesse provocado pela identidade. O leitor jovem se interessa pelo JP porque ele recende ao novo, à novidade, ao que não aparece na grande imprensa, ao que tem relação direta com o interesse público, ao que reflete as necessidades do seu público. Acho também que é bem escrito e provocador. Coloca muitas perguntas na cabeça dos seus leitores e os estimula a buscar as respostas.



O senhor se arrepende de ter dito ou escrito algo? Se sim que ocasião foi essa?

Não me arrependi. Penso bastante sobre o que vou escrever e só escrevo depois de ter segurança na minha abordagem. Mas às vezes fiquei incomodado, acanhado, insatisfeito. Às vezes tenho plena consciência de que o que escrevi atingirá pessoas que conheço ou mesmo das quais eu gosto. Sinto a perda da relação, que sacrifico a contragosto, mas como algo a que não posso escapar, se a pessoa atingida atentou contra o interesse público, roubou dinheiro público ou manipula o público. Um grande amigo, dos que mais eu gostava, rompeu comigo, à beira da morte, porque critiquei o jornal que ele comandava. Eu estava certo, sem dúvida. Mas o amigo, pelas circunstâncias em que estava, sofrendo, ficou magoado. Não me defendi. Preferi o silêncio público depois do artigo. Mas lhe escrevi uma longa carta tentando apaziguá-lo. Não foi o único exemplo. Um jornalista critico, que exerce em toda profundidade e com todas as consequências o seu ofício, está condenado a quase uma solidão.


O Jornal Pessoal tem 26 anos, como o senhor imagina o jornal daqui há 26, 52 anos?
É pouco provável, quase impossível que isso aconteça. Se pudesse, eu teria acabado com o jornal, que é causa direta de eu não alimentar esperanças de mais 26 anos e ter que amargar mais do que o possível cada novo ano. Abstraio as projeções e expectativas. Cuido de cada dia, tão difícil ele é. Espero que o jornal não precise durar mais tanto tempo para que eu possa fazer outras coisas que ele me impede de fazer. Mas para isso a informação ao público precisa melhorar.


O que o senhor acha de não existirem tantos ou outros Lucios Flavios ou mesmo alguns tantos jornais como o Pessoal, que sempre fala a verdade?
Quando comecei o JP, eu tinha 21 anos de profissão. Passara por algumas das mais importantes publicações brasileiras. Fizera muito e aprendera bastante. Apliquei todo patrimônio acumulado nesse período no JP. E aceitei não ter o retorno que teria se o investisse em um negócio lucrativo ou numa carreira de sucesso. Sabia que estaria condenado à pobreza relativa e à renúncia constante. Era o preço para ter algo que eu não teria se continuasse na grande empresa jornalística: a plena liberdade de expressão. Se fosse mais jovem ou menos experiente, seria difícil fazer uma opção tão radical. Talvez por isso não tenham surgido iniciativas como a minha. Ou não tenham persistido por tanto tempo.



O que o senhor diria aos estudantes que querem seguir a carreira de jornalista?

Que se decidam pelas ruas, que sigam atrás dos acontecimentos, dos personagens, que lugar de jornalista é na linha de frente da história, não na retaguarda. Ao lado do canhão, quando o canhão está em cena.



Estamos vivenciando todas essas manifestações. O senhor pode fazer algum comentário sobre as mesmas? O senhor participou de alguma? Acha que vai dar em algo?

Eu era estudante universitário em 1968, “o ano que não terminou”. Participei de passeatas, de mobilizações, de trabalhos de militância. A realidade de então difere completamente da atual. Éramos seres políticos, estávamos cheios de esperança, acreditávamos na utopia. Fomos a última resistência aos tempos sombrios que surgiriam antes que o ano pudesse terminar. Agora estamos numa democracia em expansão, mas as pessoas estão insatisfeitas.Percebem que talvez jamais sejam beneficiadas pelo enriquecimento do Brasil, que enriquece poucos, dá as melhores oportunidades a uma elite restrita e perpetua as injustiças e desigualdades. As manifestações encerram agora uma era de poder indiferente ao povo. Mas não tem propostas de futuro. Nega aquilo que contraria os expurgados e expelidos do atual modelo de poder. É negadora por excelência. Mas não tem ainda um projeto de futuro. O que virá depois ainda é uma incógnita. Pode ser bom, mas há também um grande risco de ser ruim. Vai depender da evolução dos atos de rua.


Entrevista feita por: Pedro Henrique Florêncio/ Fotos: google imagens

Um comentário: